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1. Um bando. E bastaria essa palavra.
Espécie de agrupamento que utiliza estratégias de resistência, treinamento bélico e camuflagem para definir sua existência em torno de um comum. O palco vira campo de combate. O bando tem um bonito jeito de entender seus membros: singulares e ímpares. Eles possuem um laço denso que os mantêm unidos, muito unidos. O bando é uma reunião de incomuns em função de um comum. É um Cangaço contemporâneo. Outras espécies vivas também formam bandos. E se camuflam. Lutam para sobreviver.
Esse bando é formado por Alexandre Santos, Andrez Lean Ghizze, Cipó Alvarenga, Fábio Crazy da Silva, Fagão, Izabelle Frota, Jaap Lindijer, Jacob Alves, Josh S., Layane Holanda e Marcelo Evelin – embora fique difícil dar nome aos bois durante o espetáculo. Eles usam máscaras: folclore, proteção, disfarce e figurino de guerra. As máscaras identificam (pertencimento a um grupo ou causa), camuflam (metade bicho, metade homem) e preservam as identidades (sabemos que pertencem a algo mas não conhecemos seus rostos). Remetem, indicam, citam, traduzem.
2. Se eu pudesse escolher três palavras para Matadouro, eu escolheria: resistência, resistência e resistência. Porque é isso que o bando faz, sem descanso: resistir, resistir e resistir. Imaginei diferentes soluções visuais da palavra para representar no papel (ou numa tela qualquer) o que Matadouro faz no palco. Uma delas: duas linhas e um círculo feito com a palavra “resistência”. Outra: escrever incansavelmente com máscaras. Mais uma imagem seria a inscrição da palavra “resistência” sobre ela mesma, tantas vezes a ponto de camuflá-la. Ou de furar o papel. É a brecha para despistar (d)o inimigo.
Resistir
(esse intransitivo)
resistindo.
Isso significa, também, verbos no gerúndio (ação em andamento). Dança é quando e depois (Helena Katz). Testando/confiando/construindo, também, (n)a capacidade do público (do outro) em resistir – não desistir. As facas estão afiadas a toda velocidade, a batida tribal revela intenções. Os corpos não sucumbem, não cedem e conservam-se firmes.
O bando corre, corre, corre, corre, corre, corre, corre, corre, corre, corre, corre, corre, corre, corre, corre, corre, corre, corre, corre, corre, corre, corre, corre, corre, corre, corre, corre, corre, corre, corre. Em círculos.
Fazer o corpo resistir torna o corpo resistente. Torna uma ideia resistente.
3. A resistência tem se manifestado como um traço significativo de uma parte da dança contemporânea brasileira. Matadouro pode até sentir-se só ou sem amigos imediatos mas o bando não está só. Os bandos-irmãos estão correndo por aí, cada qual ao seu modo.
São partes da mesma família: Matadouro (Marcelo Evelin / Demolition Inc. + Núcleo do Dirceu), Pororoca (Lia Rodrigues Companhia de Danças) e SIM – ações integradas de consentimento para ocupação e resistência (Cena 11 Cia. de Dança). São três danças cuja condição de existência é a ação integrada de um grupo em prol dessa ação integrada de um grupo, sem deixar de ter espaço para expressões singulares individuais. Em todas as três obras não se vê a necessidade de anular diferenças. Um bando é composto por laços que agrupam e por rotas de fuga. Não há necessidade de que todos se vistam com as mesmas roupas e adereços mas que todos vistam a mesma ideia, considerando sua própria anatomia – e que ela fale sobre isso e seja funcional. Isso não é apenas visível nos figurinos, mas também, nos movimentos e gestos, na composição, na coreografia.
Quando assisti Matadouro, no SESC Consolação em São Paulo, senti uma força muito poderosa vinda do bando ao ver a bailarina ______, única mulher do grupo, se sentir cansada (ou será que as pernas lhe doíam? e/ou…? ). O que ela faz? Se retira silenciosamente do círculo grande e forma um menor, dentro do anterior – o que lhe permite um raio menor a percorrer, diminuição de velocidade e proteção do bando. Desse modo, parece que uma outra estratégia para continuar resistindo seria a interrupção espamódica/esporádica do ato de correr com um outro movimento, como dar um mortal.
Essas danças são elas mesmas o próprio ato da resistência – não uma fala ou legenda sobre ela. O assunto não está separado do modo de dizê-lo: seu dizer já é. Isso implica investigar estratégias de coabitação interna (em diferentes níveis), ações de sobrevivência e um entendimento de pertencimento e coletividade em sua prática.
(versão pocket) Eles correm. Correm, correm, correm. Resistem, resistem, resistem. Testam testam testam nossa capacidade de resistir com eles. Eles correm, resistem e precisam de nós. Matadouro – mais um encontro de mãos dadas de Marcelo Evelin com o Núcleo Dirceu (ele mesmo um deles) – é um trabalho sobre resistência. Treinamento militar em tempo real. Tudo é verdade: engajamento, coletividade, camuflagem (recurso de animais e guerrilheiros). A iluminacão, muito bem-feita, é do tipo gambiarra eficiente. Estratégias para resistir: insistir no tempo, no aprimoramento técnico do gesto disciplinado, na alteração por breves períodos (e de forma quase cíclica) o movimento que se estende no tempo. Matadouro tatuou uma marca em mim.
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Transmissão pública ONLINE nos dias 03, 04, 07, 08, 09 e 10/07 às 16h e 18h.
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Entre os dias 1o e 11 de julho, acontece em São Paulo, o PROJETO PROPAGANDA. Fruto de uma parceria da Núcleo Corpo Rastreado (produção) com o SESC/SP (co-patrocínio), as companhias de dança contemporânea Lia Rodrigues (RJ) e Cena 11 (SC) e outros profissionais do vídeo, da internet e da dança, o projeto, em seu início, foi contemplado com o Prêmio Funarte de Dança Klauss Vianna 2009. O principal mérito da empreitada é, justamente, a promoção da convivência entre as duas companhias e o investimento na investigação, algo raro no atual sistema de produção cultural que vivemos no Brasil. Esse espaço dedicado ao “estar junto”, ao “prestar atenção no como fazer” e à “criação de estratégias de ação coletiva”, entre outras características, se apresenta como um campo fértil de experiências (e não de comprovações). A propaganda, nesse projeto, acontece quando se afeta o corpo do outro.
Um dos desafios envolvidos no “estar junto” é a criação do “comum”. Embora as duas companhias tenham modos de trabalhar que diferem substancialmente, é possível observar ideias artísticas, preocupações e dificuldades similares entre elas. Essas descobertas estão se dando nesse convívio que envolve o exercício da fala e da escuta, das tomadas de decisão, das práticas corporais, das relações do corpo e dança com o vídeo e a internet, entre outras. Nesse sentido, cabe perguntar: quais são os pontos de conexão? Como é tomar decisões onde as escolhas implicam/reverberam em todos? Como criar ética/estéticas artísticas com as duas companhias? Como gerar estratégias coletivas de sobrevivência para a dança contemporânea? Como afetar o público? Como criar diálogos entre os participantes?
PROPAGANDA possui algumas palavras-chave, digo, tags que funcionam como pistas: extinção – dança – residência – manifesto – vídeo – acessibilidade – internet – público.
Publiquei um texto no site do Idança chamado “Corra seu risco” a respeito da nova instalação do coreógrafo William Forsythe, na Bienal de Veneza. O texto gerou um interesse pelo termo objeto coreográfico e a discussão continua aberta. A seguir, apresento algumas imagens que fotografei de Scattered Crowd (2002) e The Fact of Matter (2009). Mais imagens estão disponíveis clicando aqui. Outra dica de texto vem da Bianca Scliar.
Scattered Crowd (Focus on Forsythe, Sadle’s Wells, Londres, 2009)
Forsythe na abertura da instalação, 2009.